terça-feira, 24 de maio de 2016

CRISE E ARQUITETURA

O ofício coletivo de fazer arquitetura configura um mercado. O mercado de projeto de arquitetura. Este interage com outros mercados, como o imobiliário, o de construção e obras, mas tem dinâmica, indexadores, dimensionamentos, práticas, conquistas e fragilidades próprios, com características e comportamentos específicos.
Como mercado, somos ainda pueris. Pouca coesão e uma certa resistência a perceber a necessidade da dimensão coletiva da profissão. O mercado de projeto de arquitetura ainda busca um novo desenho institucional. É um mercado frágil, que come pelas bordas e se canibaliza. Um eixo me parece perpassar todas as nossas atividades: o projeto, enquanto atitude, forma de conhecimento e intervenção na realidade. Em qualquer segmento de atuação, o foco é o projeto.
A sua valorização é também a de todos os fazeres do arquiteto. O projeto é instrumento da sociedade para a conformação de seus destinos. Agora, vivendo na democracia, é instrumento de transparência, de esclarecimento de posições e também de controle de gastos.
Não podemos pensar em construir um país sem projeto. Este precisa, com urgência, encontrar seu lugar na administração pública e na sociedade brasileira. Precisamos começar a viver uma cultura de projeto. Dedicar recursos, tempo, inteligências e gestões a ele.
A crise que vivemos hoje, além de todas as suas características políticas, éticas, econômicas ou jurídicas, é uma crise do “não projeto”. Independentemente do caminho que tomemos na saída da crise (e ela tem que ter uma data de expiração), uma direção clara já se esboça.
Precisamos de projeto. Previsão de obras, orçamentos, soluções a serem discutidas e refeitas pela sociedade. A corrupção é um subproduto da falta de projeto. Ainda que possamos ter, como arquitetos, posições diversas diante da solução da crise, uma coisa é certa: o país só pode ir adiante com projeto. As cidades precisam de projetos. A solução do déficit habitacional precisa de projeto. A infraestrutura demanda projeto. Já vivemos o momento da participação social. Não existe projeto sem participação. Mas também não existe solução de demanda participativa sem técnica.
O período de tempo, os recursos financeiros e a inteligência dedicados ao projeto incorporam valor às obras. Racionalizam custos, alinham a solução à real demanda dos usuários e buscam a melhor técnica. É papel do Estado, nos seus diversos níveis de administração, gerar as intervenções exemplares.
Os instrumentos legais como a lei 8.666 ou o recente Regime Diferenciado de Contratação (RDC) corroem a participação do projeto nas obras públicas. A recente tragédia da queda da ciclovia no Rio de Janeiro é exemplo de que estamos em um caminho errático na viabilização das obras públicas. Certamente sairemos desta crise. Mas um dos sinais de que de fato mudamos de rumo na construção dos destinos do país será se o Brasil se aproximar e se apropriar da cultura do projeto.


Por
José Armênio de Brito Cruz é presidente do IAB/S
Fonte:
https://arcoweb.com.br/projetodesign/artigos/crise-e-arquitetura

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